48 DESPEDIDA DE MIRA-CELI

Adeus, ó dias e noites planetários,

adeus, ó minha infância, minha adolescência, minha vida de faces cuspidas e beijadas.

Adeus, carne poluída por tantas cumplicidades noturnas,

adeus, pactos, mulheres fugaces, amores fugaces,

adeus, febres povoadas de vencidos a sonharem com o domínio do mundo,

adeus, aventuras animadas de marujos mendigos

a sonhar com veleiros que nunca chegaram a seus portos;

adeus, gestos interrompidos, palavras entrecortadas, apelos incompreendidos,

adeus, todas as máscaras, todas as desistências

e todas as realizações sempre aparentes;

adeus, Mira-Celi, musas, sombras, símbolos,

adeus, mulheres que nunca se completaram,

faces dispersas entre as faces distantes e incompreendidas;

adeus!

Caminhei até os limites misteriosos da morte.

Revisto-me das vestes talares de seus impérios mágicos.

Uma força me impele para dentro de Deus.

Qual de tuas companheiras me aceitará como irmão, ó Mira-Celi?

Que asa do reinado de Cristo abrigará minhas angustiadas mãos?

Que onda da eternidade virá murmurar aos meus ouvidos?

COUTINHO, Afrânio (org.). Jorge de Lima. Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1958, vol. I. p.544.

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