ANJO BENTO

Destes que campam no mundo

Sem ter engenho profundo,

E, entre gabos dos amigos,

Os vemos em papa-figos,

Sem tempestade, nem vento:

Anjo bento!

De quem com letras secretas

tudo o que alcança é por tretas,

Baculejando sem pejo,

Por matar o seu desejo,

Desde a manhã té à tarde:

Deus me guarde!

Do que passeia farfante,

Muito prezado de amante,

Por fora luvas, galões,

Insígnias, armas, bastões,

Por dentro pão bolorento:

Anjo bento!

Destes beatos fingidos,

Cabisbaixos, encolhidos,

Por dentro fatais maganos,

Sendo nas caras uns Janos,

Que fazem do vício alarde:

Deus me guarde!

Que vejamos teso andar

Quem mal sabe engatinhar,

Muito inteiro e presumido,

ficando o outro abatido

Com maior merecimento:

Anjo bento!

Destes avaros mofinos,

Que põem na mesa pepinos,

De toda a iguaria isenta,

Com seu limão e pimenta,

Porque diz que o queima arde:

Deus me guarde!

MATOS, Gregório de. Obras Completas. 2ª ed. t.II. São Paulo: Edições Cultura, 1945. Série Clássica Brasileiro-Portuguesa, "Os mestres da língua", t.II, p.123, "Epigramas" III

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