CÂNTICO DO CALVÁRIO

(fragmentos)

Eras na vida a pomba predileta

Que sobre um mar de angústia conduzia

O ramo da esperança. — Eras a estrela

Que entre as névoas do inverno cintilava

Apontando o caminho do pegureiro.

Eras a messe de um dourado estio.

Eras o idílio de um amor sublime.

Eras a glória, — a inspiração, — a pátria,

O porvir de teu pai! — Ah! no entanto,

Pomba, — varou-te a flecha do destino!

Astro, — engoliu-te o temporal do norte!

Teto, caíste! — Crença, já não vives!

(...)

Como eras lindo! Nas rosadas faces

Tinha ainda o tépido vestígio

Dos beijos divinais, — nos olhos langues

Brilhava o brando raio que acendera

A bênção do Senhor quando o deixaste!

Sobre o teu corpo a chusma dos anjinhos,

Filhos do éter e da luz, voavam,

Riam-se alegres, das caiçolas níveas

Celeste aroma te vertendo ao corpo!

E eu dizia comigo: — teu destino

Será mais belo que o cantar das fadas

Que dançam no arrebol, — mais triunfante

Que o sol nasceste derribando ao nada

Muralhas de negrume!... Irás tão alto

Como o pássaro-rei do Novo Mundo!

Ai! doudo sonho!... Uma estação passou-se,

E tantas glórias, tão risonhos planos

Desfizeram-se em pó! O gênio escuro

Abrasou com seu facho ensangüentado

Meus soberbos castelos. A desgraça

Sentou-se em meu solar, e a soberana

Dos sinistros impérios de além-mundo

Com seu dedo real selou-se a fronte!

Inda te vejo pelas noites minhas,

Em meus dias sem luz vejo-te ainda,

Creio-te vivo, e morto te pranteio!...

(...)

VARELA, Fagundes. Poemas de Fagundes Varela. Rio de Janeiro: Ediouro, 1988, p.96.

Previous Next