CAMINHOS DE MINHA TERRA

Caminhos inventados por quem não tem pressa de ir-se embora,

Pelos que vão à escola.

Pelos que vão à vila trabalhar.

Pelos que vão ao erto.

Pelos que deixam a terra como eu deixei um...

Pelos que levam quem se despede da vida que é tão bela...

À minha terra ninguém chega: ela é tão pobre...

Dizem que tem bons ares para os tísicos —

mas os tísicos não vão lá: é tão difícil de ir-se lá...

Caminhos de minha terra onde perdi

os olhos e os passos da meditação...

Caminhos em que os ceguinhos e aleijados podem

ir sem os olhos e sem pernas: eles não atropelam

os pobrezinhos.

Alguém quer partir e eles dizem:

uma pitanga, uma ingá e dão tudo,

cajus, pitombas araças a todos os meninos do lugar.

Caminhos que ainda têm orvalhos e sonâmbulos bacuraus,

e tem ninhos suspensos nas ramadas.

Ali perto, na Curva do Encantado

onde mataram de emboscada um cangaceiro,

há uma cruz de pitombeira...

Quem passa joga uma pedra,

reza baixinho: "Padre nosso que estais no céu

santificado seja o vosso nome

venha a nós...

Aquela cruz do cangaceiro é milagrosa

já me curou dum puxado que

eu peguei na escola da professora —

minha tia Bárbara de Olivedo Cunha Lima —

Mundaú ! — soube depois

que quer dizer rio torto.

Quem te inventou Mundaú, das minhas lavadeiras seminuas,

dos meus pescadores de traíras? —

Mundaú! — rio torto — caminho de curvas,

por onde eu vim para a cidade

onde ninguém sabe o que é caminho.

COUTINHO, Afrânio (org.). Jorge de Lima. Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1958, vol. I. p.236-237.

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