CANTO DE PROTEU

Pelos ares retumbe o grave acento,

De minha rouca voz, confusa, e lenta,

Qual trovão espantoso, e violento,

De repentina, e hórrida tormenta.

Ao rio de Aqueronte turbulento,

Que em sulfúreas borbulhas arrebenta,

Passe com tal vigor, que imprima espanto,

em Minosrigoroso, e Radamanto.

De lanças, e d'escudos encantados,

Não tratarei em numerosa rima,

Mas de barões ilustres afamados,

Mais que quantos a Musa não sublima.

Seus heróicos feitos extremados

Afinarão a dissoante prima,

Que não é muito tão gentil sujeito,

Suprir com seus quilates meu defeito.

Não quero no meu Canto alguma ajuda,

Das nove moradoras do Parnaso,

Nem matéria tão alta quer que aluda,

Nada ao essencial deste meu caso.

Porque dado que a forma se me muda,

em falar a verdade, serei raso,

Que assim convém fazê-lo, quem escreve,

Se a justiça quer dar o que se deve.

TEIXEIRA, Bento. Prosopopéia. com Introd. Estabelecimento do texto e Comentários por Celso Cunha e Carlos Duval. Rio de Janeiro. Instituto Nacional do Livro, Ministério da Educação e Cultura, 1972, p.35.

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