O CAÇADOR DE ESMERALDAS

IV

Adoça-se-lhe o olhar, num fulgor indeciso;

Leve, na boca aflante, esvoaça-lhe um sorriso...

– E adelgaça-se o véu das sombras. O luar

Abre no horror da noite uma verde clareira.

Como para abraçar a natureza inteira,

Fernão Dias Pais Leme estira os braços no ar...

Verdes, os astros no alto abrem-se em verdes chamas;

Verdes, na verde mata, embalançam-se as ramas;

E flores verdes no ar brandamente se movem;

Chispam verdes fuzis riscando o céu sombrio;

Em esmeraldas flui a água verde do rio,

E do céu, todo verde, as esmeraldas chovem...

E é uma ressurreição! O corpo se levanta:

Nos olhos, já sem luz, a vida exsurge e canta!

E esse destroço humano, esse pouco de pó

Contra a destruição se aferra à vida, e luta,

E treme, e cresce, e brilha, e afia o ouvido, e escuta

A voz, que na soidão só ele escuta, – só:

"Morre! morrem-te às mãos as pedras desejadas,

"Desfeitas como um sonho, e em lodo desmanchadas...

"Que importa? dorme em paz, que o teu labor é findo!

"Nos campos, no pendor das montanhas fragosas,

"Como um grande colar de esmeraldas gloriosas,

"As tuas povoações se estenderão fulgindo!

"Quando do acampamento o bando peregrino

"Saía, ante manhã, ao saber do destino.

"Em busca, ao norte e ao sul, de jazida melhor,

"– No cômoro de terra, em que teu pé poisara,

'os colmados de palha aprumavam-se, e clara

"A luz de uma lareira espancava o arredor.

"nesse louco vagar, nessa marcha perdida,

"tu foste, como o sol, uma fonte de vida:

"Cada passada tua era um caminho aberto!

"Cada pouso mudado, uma nova conquista!

"E enquanto ias, sonhando o teu sonho egoísta,

"Teu pé, como o de um deus, fecundava o deserto!

"Morre! tu viverás nas estradas que abriste!

"Teu nome rolará no largo choro triste

"Da água do Guaicuí... Morre, conquistador!

"Viverás quando, feito em seiva o sangue, aos ares

"Subires, e, nutrindo uma árvore, cantares

"Numa ramada verde entre um ninho e uma flor!

"Morre! germinarão as sagradas sementes

"Das gotas de suor, das lágrimas ardentes!

"Hão-de frutificar as fomes e as vigílias!

"E um dia, povoada a terra em que te deitas,

"Quando, aos beijos do sol, sobrarem as colheitas,

"Quando, aos beijos do amor, crescerem as famílias.

"tu cantarás na voz dos sinos, nas charruas,

"No esto da multidão, no tumultuar das ruas,

"No clamor do trabalho e nos hinos da paz!

"E, subjugando o olvido, através das idades,

"Violador dos sertões, plantador de cidades.

"Dentro do coração da pátria viverás!"

............................................................

Cala-se a estranha voz. Dorme de novo tudo.

Agora, a deslizar pelo arvoredo mudo,

Como um choro de prata algente o luar escorre.

E sereno, feliz, no maternal regaço

Da terra, sob a paz estrelada do espaço,

Fernão Dias Pais Leme os olhos cerra. E morre.

BILAC, Olavo. Poesias. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 23ª edição. 1964, p.250-252.

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