O FILHO DO SÉCULO

Nunca mais andarei de bicicleta

Nem conversarei no portão

Com meninas de cabelos cacheados

Adeus valsa Danúbio Azul

Adeus tardes preguiçosas

Adeus cheiros do mundo sambas

Adeus puro amor

Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem

Não tenho forças para gritar um grande grito

Cairei no chão do século vinte

Aguardam-me lá fora

As multidões famintas justiceiras

Sujeitos com gases venenosos

É a hora das barricadas

É a hora do fuzilamento, da raiva maior

Os vivos pedem vingança

Os mortos minerais vegetais pedem vingança

É a hora do protesto geral

É a hora dos vôos destruidores

É a hora das barricadas, dos fuzilamentos

Fomes desejos ânsias sonhos perdidos

Misérias de todos os países uni-vos

Fogem a galope os anjos-aviões

Carregando o cálice da esperança

Tempo espaço firmes porque me abandonastes.

MELO Neto, João Cabral de (org.). Murilo Mendes - Antologia Poética. Brasília: INL, 1976, p. 28-29.

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