RECORDAÇÃO

Agora, o cheiro áspero das flores

leva-me os olhos por dentro de suas pétalas.

Eram assim teus cabelos;

tuas pestanas eram assim, finas e curvas.

As pedras limosas, por onde a tarde ia aderindo,

tinham a mesma exalação de água secreta,

de talos molhados, de pólen,

de sepulcro e de ressurreição.

E as borboletas sem voz

dançavam assim veludosamente.

Restitui-te na minha memória, por dentro das flores!

Deixa virem teus olhos, como besouros de ônix,

tua boca de malmequer orvalhado,

e aquelas tuas mãos dos inconsoláveis mistérios,

com suas estrelas e cruzes,

e muitas coisas tão estranhamente escritas

nas suas nervuras nítidas de folha,

– e incompreensíveis, incompreensíveis.

MEIRELLES, Cecília. Obra Poética. 2a Ed. Rio de Janeiro: José Aguilar Editora, 1967, p.184-185.

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