Capítulo XXVII
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Um dia, entrou inesperadamente Pereira e achou-a toda lacrimosa.
Vinha sereno, mas com ar decidido.
Que tem você, menina, perguntou ele, meio termo, de alguns dias para cá?
Inocência escolheu-se toda como uma pombinha que se sente agarrar.
Puxou-a brandamente o pai e fê-la sentar no seu colo.
Vamos, que isto, Nocência? Porque se socou assim no quarto? Manecão lá fora a toda a hora está perguntando pôr você... isto não é bonito... É, ou não, o seu noivo?
Redobraram as lágrimas.
Mulher não atira-se à cara dos homens... mas também é bom não se canhar assim... É de enjoada... Um marido quase, como ele já é...
De repente o pranto de Inocência cessou.
Desvencilhou-se dos braços do pai, e, de pé diante dele, encarou-o com resolução:
Papai sabe porque tudo isto?
Sim...
É porque eu... não devo...
Não devo o que?
Casar.
Arregalou Pereira os olhos e de espanto abriu a boca.
Quê? perguntou elevando muito a voz...
Compreendeu a pobrezinha que a luta ia travar-se. Era chegado o momento.
Revestiu-se de toda coragem.
Sim, meu pai. este casamento não deve fazer-se...
Você está doida? observou Pereira com fingida tranqüilidade.
Prosseguiu então Inocência com muita rapidez, as faces incendiadas de rubor:
Conto-lhe tudo papai... Não me queira mal... Foi um sonho... O outro dia, antes de Manecão chegar, estava seteando e tive um sonho... Neste sonho, ouviu, papai? minha mãe vinha descendo do céu... Coitada! estava tão branca que metia pena... Vinha bem limpa com um vestido todo azul...leve, leve!
Sua mãe? balbuciou Pereira tomado de ligeiro assombro.
Nhor-sim, ela mesma...
Mas você não a conheceu! Morreu, quando você era pequetita...
Não faz nada, continuou Inocência, logo vi que era minha mãe... Olhava para mim tão amorosa!... Perguntou-me: Cadê seu pai? Respondi com medo: Está na roça; quer mecê, que ele venha? Não, me disse ela, não é preciso; diga-lhe a ele que eu vim até cá, para não deixar Manecão casar com você, porque há-de-ser infeliz...muito! ...muito!...
E depois? perguntou Pereira levantando a cabeça com ar sombrio, girando os olhos.
Depois... disse mais... Se esse homem casar com você, uma grande desgraça há-de entrar... nesta casa que foi minha e onde não haverá mais sossego. Bote seu pai sentido nisso. E sem mais palavra, sumiu-se como uma luz que se apaga.
Cravou Pereira olhar inquiridor na filha.
Uma suspeita-lhe atravessou o espírito.
Que sinal tinha sua mãe no rosto?
Inocência empalideceu.
Levando ambas as mãos à cabeça e prorrompendo em ruidoso pranto, exclamou:
Não sei... eu estou mentindo... Isto tudo é mentira! É mentira! Não vi minha mãe!... Perdão, minha mãe, perdão!
E caindo de bruços sobre a cama, ficou imóvel com os cabelos esparsos pelas espáduas.
Contemplou-a Pereira largo tempo, sem saber que pensar, que dizer.
Súbito inclinou sobre o corpo da filha e ao ouvido lhe segredou com muita energia:
Nocência, daqui bocadinho Manecão chega da roça... Você há de ir para a sala... se não fizer boa cara, eu a mato.
E erguendo a voz:
Ouviu? Eu a mato!... Quero antes vê-la morta, estendida, do que... a casa de um mineiro desonrada...
Às pressas saiu do quarto, deixando Inocência na mesma posição.
Pois bem murmurou ela, já que é preciso... morra eu?
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TAUNAY, Visconde de. Inocência. São Paulo: Melhoramentos, 1927, p.196-198.