Já, já me vai, Marília, branquejando
loiro cabelo, que circula a testa;
este mesmo, que alveja, vai caindo,
e pouco já me resta.
As faces vão perdendo as vivas cores,
e vão-se sobre os ossos enrugando,
vai fugindo a viveza dos meus olhos;
tudo se vai mudando.
Se quero levantar-me, as costas vergam;
as forças dos meus membros já se gastam;
vou dar pela casa uns curtos passos,
pesam-me os pés e arrastam.
Se algum dia me vires desta sorte,
vê que assim me não pôs a mão dos anos;
os trabalhos, Marília, os sentimentos
fazem os mesmos danos.
Mal te vir, me dará em poucos dias
a minha mocidade o doce gosto;
verás brunir-se a pele, o corpo encher-se,
voltar a cor ao rosto
No calmoso verão as plantas secam;
na primavera, que aos mortais encanta,
apenas cai do céu um fresco orvalho,
verdeja logo a planta.
A doença deforma a quem padece;
mas logo que a doença faz seu termo,
torna, Marília, a ser quem era d'antes
o definhado enfermo.
Supõe-me qual doente, ou qual a planta,
no meio da desgraça, que me altera:
eu também te suponho qual saúde,
ou qual a primavera.
Se dão esses teus meigos, vivos olhos
aos mesmos astros luz e vida à flores,
que efeitos não farão em quem por eles
sempre morreu de amores?
GONZAGA, Tomás A. Maria de Dirceu e Mais Poesias. Prefácio e notas do professor M. Rodrigues Lapa. 3ª ed. Coleção de Clássicos Sá da Costa, Lisboa, Sá da Costa, s/d. p.85-86.