LIRA V, Parte II

Já, já me vai, Marília, branquejando

loiro cabelo, que circula a testa;

este mesmo, que alveja, vai caindo,

e pouco já me resta.

As faces vão perdendo as vivas cores,

e vão-se sobre os ossos enrugando,

vai fugindo a viveza dos meus olhos;

tudo se vai mudando.

Se quero levantar-me, as costas vergam;

as forças dos meus membros já se gastam;

vou dar pela casa uns curtos passos,

pesam-me os pés e arrastam.

Se algum dia me vires desta sorte,

vê que assim me não pôs a mão dos anos;

os trabalhos, Marília, os sentimentos

fazem os mesmos danos.

Mal te vir, me dará em poucos dias

a minha mocidade o doce gosto;

verás brunir-se a pele, o corpo encher-se,

voltar a cor ao rosto

No calmoso verão as plantas secam;

na primavera, que aos mortais encanta,

apenas cai do céu um fresco orvalho,

verdeja logo a planta.

A doença deforma a quem padece;

mas logo que a doença faz seu termo,

torna, Marília, a ser quem era d'antes

o definhado enfermo.

Supõe-me qual doente, ou qual a planta,

no meio da desgraça, que me altera:

eu também te suponho qual saúde,

ou qual a primavera.

Se dão esses teus meigos, vivos olhos

aos mesmos astros luz e vida à flores,

que efeitos não farão em quem por eles

sempre morreu de amores?

GONZAGA, Tomás A. Maria de Dirceu e Mais Poesias. Prefácio e notas do professor M. Rodrigues Lapa. 3ª ed. Coleção de Clássicos Sá da Costa, Lisboa, Sá da Costa, s/d. p.85-86.

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