Nesta triste masmorra,
de um semi-vivo corpo sepultura,
inda, Marília, adoro
a tua formasura.
Amor na minha idéia te retrata;
busca, extremoso, que eu assim resista
À dor imensa, que me cerca e mata.
Quando em meu mal pondero,
então mais vivamente te diviso:
vejo o teu rosto e escuto
a tua voz e riso.
Movo ligeiro para o vulto os passos:
eu beijo a tíbia luz em vez de face,
e aperto sobre o peito em vão os braços.
Conheço a ilusão minha;
a violência da mágoa não suporto;
foge-me a vista e caio,
não sei se vivo ou morto.
Enternece-se Amor de estrago tanto;
reclina-me no peito, e com mão terna
me limpa os olhos do salgado pranto.
Depois que represento
por largo espaço a imagem de um defunto,
movo os membros, suspiro,
e onde estou pergunto.
Conheço então que Amor me tem consigo;
ergo a cabeça, que inda mal sustento,
e com doente voz assim lhe digo:
—Se queres ser piedoso,
procura o sítio em que Marília mora,
pinta-lhe o meu estrago,
e vê, Amor, se chora.
Se a lágrima verter a dor a arrasta,
uma delas me traze sobre as penas,
e para alívio meu só isto basta.
GONZAGA, Tomás A. Maria de Dirceu e Mais Poesias. Prefácio e notas do professor M. Rodrigues Lapa. 3ª ed. Coleção de Clássicos Sá da Costa, Lisboa, Sá da Costa, s/d. p.115-116.