LIRA XXII

Nesta triste masmorra,

de um semi-vivo corpo sepultura,

inda, Marília, adoro

a tua formasura.

Amor na minha idéia te retrata;

busca, extremoso, que eu assim resista

À dor imensa, que me cerca e mata.

Quando em meu mal pondero,

então mais vivamente te diviso:

vejo o teu rosto e escuto

a tua voz e riso.

Movo ligeiro para o vulto os passos:

eu beijo a tíbia luz em vez de face,

e aperto sobre o peito em vão os braços.

Conheço a ilusão minha;

a violência da mágoa não suporto;

foge-me a vista e caio,

não sei se vivo ou morto.

Enternece-se Amor de estrago tanto;

reclina-me no peito, e com mão terna

me limpa os olhos do salgado pranto.

Depois que represento

por largo espaço a imagem de um defunto,

movo os membros, suspiro,

e onde estou pergunto.

Conheço então que Amor me tem consigo;

ergo a cabeça, que inda mal sustento,

e com doente voz assim lhe digo:

—Se queres ser piedoso,

procura o sítio em que Marília mora,

pinta-lhe o meu estrago,

e vê, Amor, se chora.

Se a lágrima verter a dor a arrasta,

uma delas me traze sobre as penas,

e para alívio meu só isto basta.

GONZAGA, Tomás A. Maria de Dirceu e Mais Poesias. Prefácio e notas do professor M. Rodrigues Lapa. 3ª ed. Coleção de Clássicos Sá da Costa, Lisboa, Sá da Costa, s/d. p.115-116.

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