Meu sonoro passarinho,
se sabes do meu tormento,
e buscas dar-me, cantando,
um doce contentamento,
Ah! não cantes mais, não cantes,
se me queres ser propício;
eu te dou em que me faças
muito maior benefício.
Ergue o corpo, os ares rompe,
procura a Porto da Estrela,
sobe à serra e, se cansares,
descansa num tronco dela.
Toma de Minas a estrada,
Na Igreja Nova, que fica
ao direito lado, e segue
sempre firme a Vila Rica.
Entra nesta grande terra,
passa uma formosa ponte,
passa a segunda; a terceira
tem um palácio defronte.
Ele tem ao pé da porta
uma rasgada janela:
é da sala, aonde assiste
a minha Marília bela.
Para bem a conheceres,
eu te dou os sinais todos
do seu gesto, do seu talhe,
das suas feições e modos.
O seu semblante é redondo,
sobrancelhas arqueadas,
negros e finos cabelos,
carnes de neve formadas.
A boca risonha e breve,
suas faces cor-de-rosa,
numa palavra, a que vires
entre todas mais formosas.
Chega então ao seu ouvido,
dize que sou quem te mando,
que vivo nesta masmorra,
mas sem alívio penado.
GONZAGA, Tomás A. Maria de Dirceu e Mais Poesias. Prefácio e notas do professor M. Rodrigues Lapa. 3ª ed. Coleção de Clássicos Sá da Costa, Lisboa, Sá da Costa, s/d. p.115-116.