MOEMA

É fama então que a multidão formosa

Das damas, que Diogo pretendiam,

Vendo avançar-se a nau na via undosa,

E que a esperança de o alcançar perdiam:

Entre as ondas com ânsia furiosa

nadando o esposo pelo mar seguiam,

E nem tanta água que flutua vaga

O ardor que o peito tem, banhando apaga.

Copiosa multidão da nau francesa

Corre a ver o espetáculo assombrada;

E ignorando a ocasião da estranha empresa,

Pasma da turba feminil, que nada:

Uma, que às mais precede em gentileza,

Não vinha menos bela, do que irada:

Era Moema, que de inveja geme,

E já vizinha à nau se apega ao leme.

"Bárbaro (a bela diz) tigre, e não homem...

Porém o tigre por cruel que brame,

Acha forças amor, que enfim o domem;

Só a ti não domou, por mais que eu te ame:

Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem,

Como não consumis aquele infame?

Mas pagar tanto amor com tédio, e asco...

Ah que o corisco és tu... raio... penhasco.

Bem puderas, cruel, ter sido esquivo,

Quando eu a fé rendia ao teu engano;

Nem me ofenderas a escutar-me altivo,

Que é favor, dado a tempo, um desengano:

Porém deixando o coração cativo

Com fazer-te a meus rogos sempre humano.

Fugiste-me, traidor, e desta sorte

Paga meu fino amor tão crua morte?

Tão dura ingratidão menos sentira,

E esse fado cruel doce me fora,

Se a meu despeito triunfar não vira

Essa indigna, essa infame, essa traidora:

Por serva, por escrava te seguira,

Se não temera de chamar senhora

A vil Paraguaçu, que sem que o creia,

sobre ser-me inferior, é néscia, e feia

Enfim, tens coração de ver-me aflita,

Flutuar moribunda entre estas ondas;

Nem o passado amor teu peito incita

A um ai somente, com que os meus respondas:

Bárbaro, se esta fé teu peito irrita,

(Disse, vendo-o fugir) ah não te escondas;

Dispara sobre mim teu cruel raio..."

E indo a dizer o mais, cai num desmaio.

Perde o lume dos olhos, pasma, e treme,

Pálida a cor, o aspeto moribundo,

Com mão já sem vigor, soltando o leme,

Entre as salsas escumas desce ao fundo:

Mas na onda do mar, que irado freme,

Tornando a aparecer desde o profundo,

"Ah Diogo cruel!" disse com mágoa,

E sem mais vista ser, sorveu-se n'água.

Choraram da Bahia as ninfas belas,

Que nadando a Moema acompanhavam;

E vendo que sem dor navegam delas,

À branca praia com furor tornavam:

Nem pôde o claro Herói sem pena vê-las,

Com tantas provas, que de amor lhe davam;

Nem mais lhe lembra o nome de Moema,

Sem que ou amante a chore, ou grato gema.

Voava entanto a nau na azul corrente,

Impelida de um zéfiro sereno,

E do brilhante mar o espaço ingente

Um campo parecia igual, e ameno:

Encrespava-se a onda docemente,

Qual aura leve, quando move o feno:

E como o prado ameno rir costuma,

Imitava as boninas com a escuma.

DURÃO, Santa Rita. Nossos Clássicos. n. 13 ["Caramuru", poema épico do descobrimento da Bahia, por Hernani Cidade]. Rio de Janeiro: Agir, 1957, p.86.

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