NOIVA

N'as-tu pas senti le gout des éternelles amours?

H. de Balzac

Noiva... minha talvez... pode bem ser que o sejas.

Não me disseste ao certo o dia em que voltavas.

O céu é claro como o teto das igrejas:

Vens de lá com certeza. Humildes como escravas,

Curvadas ainda estão as estrelas morosas;

E bem se vê que algum excelso vulto branco

Passou por elas, entre arcarias de rosas,

Revolto o manto de ouro, afagando-lhe o flanco.

Há tanto tempo que te espero, e espero embalde...

Não sabia que assim tão diferente vinhas.

Tinhas negro o cabelo: entanto a nuvem jalde,

Que o doura todo, o faz tão outro do que tinhas!

Quando morreste, o sol era morto, e ainda agora

Para mim se prolonga essa noite de guerra...

Acaso vens com o teu olhar de eterna aurora

Aclará-la outra vez, vindo de novo à terra?

Vejo-te a imagem tão destacada no fundo

Deste meu sonho, que é como se eu não sonhasse...

Cheio da nostalgia estelar de outro mundo,

Tem as mágoas de um astro o palor da tua face.

Caminhas, e os teus pés sublimes nem de leve

Tocam a flor do solo: o ar impalpável pisas.

Ora se abaixa, ou se ergue o teu corpo de neve...

Parece que te vão berçando auras e brisas.

O peristilo arcual da tua boa se move:

Soabre-se: a fulva luz que a ilumina contemplo...

Falas: como me pasma e inebria e comove

Toda a púrpura real do interior desse templo!

Parece que um hinal de suaves litanias

Acompanha a tua voz nas palavras que soltas.

Não sabia que assim tão outra voltarias:

Eras de negro olhar, de olhar azul tu voltas.

Que me admira se vens de olhar azul e louro

Cabelo? Não é a mesma a tua formosura?

Voltas do céu, e a cor celestial é azul e é ouro,

E é todo este clarão que a imagem te moldura.

Noiva... minha talvez... e por que não? Setembro

Volta. Setembro é o mês das laranjeiras castas.

Vens de grinalda branca, a voar... Ah! bem me lembro,

A veste com que foste é a mesma que hoje arrastas.

Foste de branco e vens de branco ainda trajada.

A túnica nupcial que em níveas dobras desce

Pelo teu corpo, tem a brancura sagrada

Dos alvos corporais do altar exposto à prece.

O parélio do gênio imortal que te anima

Surge no resplandor que te aureola a cabeça.

Atenta escutas os meus versos rima a rima,

E mandas que em cada um a tua Alma apareça.

Quero abraçar-te e nada abraço... O que me assombra

É que te vejo e não te encontro com os meus braços.

Morta, beijei-te um dia: hoje tu és uma sombra

Exilada do céu para seguir-me os passos.

GUIMARÃES, Alphonsus de. Obra Completa. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1960, p. 105-106.

Previous Next