NOTAS DE UM VERANISTA

(fragmentos)

7 de fevereiro

O meu último pensamento

Ontem, antes de adormecer,

Não foram nem podiam ser

Os morangos que nos serviu o hotel sempre avarento.

Não foram dessa guerra assombros

Que se contam descomunais;

Eu hoje dou a tudo de ombros,

Pouco me importam paz ou guerra, e não leio jornais.

O meu último pensamento,

Fique bem anotado aqui,

Foi ela, o meu doce tormento:

Vinte vezes disse o seu nome – Élena – e adormeci.

17 de fevereiro

Nunca lhe disse o que por ela sinto,

Nunca lho hei de dizer,

E digo-o a tudo, digo-o ao seu perfume

Que fica por onde ela passa;

Disse-o a uma flor que lhe caiu do cinto

Na varanda, ao escurecer;

A um rude banco onde ela esteve, disse-o;

Digo-o, supondo-os ser seu rir que esvoaça,

A toda borboleta ou vagalume;

Digo-o – ela é meu enlevo e meu suplício!

Em calma ou em excitação

Digo-o, falando ou mudo,

Digo-o em sonho e acordado,

A tudo o tenho dito e o digo a tudo...

A ela, não.

27 de fevereiro

Vim

E achei vazio de hóspedes o hotel.

Haviam todos ido

Em tropel

A ver um destemido

Aviador que do Rio, em ascensão estranha,

Viera ter num só vôo a este alto de montanha.

Toda a cidade agora enche-a um nome, um rumor:

O aviador!

No hotel, desde o jardim à sala e ao corredor,

Não se fala senão na glória do aviador.

E nas ruas e aqui dentro é o mesmo clamor:

O aviador! O aviador!

6 de março

Mais cedo hoje me ergui quede costume.

Vinha clareando o dia,

Saio do quarto, entro no corredor;

Uma porta se abria

Próxima e vi um vulto – era o aviador –

Passar; passou, deixando o seu perfume,

O cheiro dela, pelo corredor...

O cheiro dela, o cheiro seu de flor!

10 de março

Fui despedir-me de Élena, à saída;

Interrompeu o riso breve instante,

Disse-me adeus, mas, quando não ainda

De seus olhos distante,

Via-a tornar à mesma alacridade,

Ria-se, ria-se aloucada e linda.

No trem.

Embora a alma desiludida,

Enlevam-me a grandeza e formosura

Da serra. Vou descendo, vou descendo.

Da manhã auri-rósea à claridade,

Tumultua em cada árvore florida,

Em cada pedra ou fonte,

Em cada abismo, em cada gruta escura,

Por todo o chão, por toda a encosta e todo o monte,

A orgia dionisíaca da Vida.

Respirando estes ares,

Tanta beleza em torno olhando e vendo,

Vão-me fora os pesares

Ou vão também descendo... vou descendo.

Fica lá em cima o sol, o almo esplendor do dia,

Fica o riso, a festa, a alegria;

Tristeza ou mágoa é como o enxurro, é como a bruma,

Rola em baixo e é umidade e espuma...

Vou descendo. Já vejo o Rio, amplo horizonte,

Os morros de altaneiro

Cimo, casas, o oceano...

Vou descendo, descendo... Deslembrado

De Élena, embora, súbito seu cheiro

Senti: veio de flor aberta ao lado

Da Estrada, flor de imaculada alvura;

Via-a ao passar, sorriu-me – era tão bela!

Lembrando a miniatura

De veloz aeroplano,

Um besouro zumbia em torno dela.

OLIVEIRA, Alberto de. Poesias. In: Nossos Clássicos. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1959, p.75-78.

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