O PAI DO SOL

Mas um dia Borba Gato

que possuía vários títulos

já – o de Caçador de Onça,

o de Vigia da Terra,

mais o de Chefe da tribo

dos bororos, e ainda outros,

dos quais a tuba da fama

nunca lhe passou recibo,

andando por um caminho

encontrou o Pai do Sol.

Lá estava o tal, olhos de ouro,

sentado em meio ao Sertão.

Tendo cinco labaredas

de alegria em cada mão.

"Você está aqui, seu malandro..."

E como um novo Jasão

na conquista ao Tosão de Ouro,

já perto, chega não chega,

pá ante pá, devagarzinho,

por um vão da árvore espessa,

vibra no ar enorme foice,

rápida, em trinta relâmpagos,

e decepa-lhe a cabeça.

E o Pai do Sol, degolado,

ainda escorrendo fogo,

é posto, logo, aos pedaços,

em longos cargueiros de ouro.

No rio da Noite Verde

levando-lhe pés e braços,

deslizam canoas de ouro.

Um caçador, mais a oeste,

caçou veado a chumbo de ouro.

O vestido azul da santa

amanheceu, por milagre,

já bordados a fios de ouro...

A Rita da nação benguela

tem agora um colar de ouro.

Faísca do Pai do Sol

é o fogão onde o quitute

se faz em panelas de ouro.

Nos córregos, ou nas catas,

nas trupiaras, ou nas minas,

os escravos suam ouro...

El-Rey, de novo, lá longe,

passa óleo pelo corpo,

deita-se ao chão e levanta-se

todo rabiscado de ouro.

E nomeia Borba Gato

para general do Mato.

Na igreja do Sabará

um Cristo nu chora ouro...

BRAGA, Rubem (org.) Cassiano Ricardo - Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1964, p.34-36.

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