O URAGUAi

CANTO QUARTO (fragmento)

A Morte de Lindoya

Não faltava,

Para se dar princípio à estranha festa,

Mais que Lindoya. Há muito lhe preparam

Todas de brancas penas revestidas

Festões de flores as gentis donzelas.

Cansados de esperar, ao seu retiro

Vão muitos impacientes a buscá-la.

Estes de crespa Tanajura aprendem

Que entrara no jardim triste, e chorosa,

Sem consentir que alguém a acompanhasse.

Um frio susto corre pelas veias

De Caitutú, que deixa os seus no campo;

E a irmã por entre as sombras do arvoredo

Busca co'a vista, e teme de encontrá-la.

Entram enfim na mais remota, e interna

Parte de antigo bosque, escuro, e negro,

Onde ao pé de uma lapa cavernosa

Cobre uma rouca fonte, que murmura,

Curva latada de jasmins, e rosas.

Este lugar delicioso, e triste,

Cansada de viver, tinha escolhido

Para morrer a mísera Lindoya.

Lá reclinada, como que dormia,

Na branda relva, e nas mimosas flores,

Tinha a face na mão, e a mão no tronco

De um fúnebre cipreste, que espalhava

Melancólica sombra. Mais de perto

Descobrem que se enrola no seu corpo

Verde serpente, e lhe passeia, e cinge

Pescoço, e braços, e lhe lambe o seio.

Fogem de a ver assim sobressaltados,

E param cheios de temor ao longe;

E nem se atrevem a chamá-la, e temem

Que desperte assustada, e irrite o monstro,

E fuja, e apresse no fugir a morte.

Porém o destro Caitutú, que treme

Do perigo da irmã, sem mais demora

Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes

Soltar o tiro, e vacilou três vezes

Entre a ira, e o temor. Enfim sacode

O arco, e faz voar a aguda seta,

Que toca o peito de Lindoya, e fere

A serpente na testa, e a boca, e os dentes

Deixou cravados no vizinho tronco.

Açouta o campo co'a ligeira cauda

O irado monstro, e em tortuosos giros

Se enrosca no cipreste, e verte envolto

Em negro sangue o lívido veneno.

Leva nos braços a infeliz Lindoya

O desgraçado irmão, que ao despertá-la

Conhece, com que dor! no frio rosto

Os sinais do veneno, e vê ferido

Pelo dente sutil o brando peito.

Os olhos, em que Amor reinava, um dia,

Cheios de morte; e muda aquela língua,

Que ao surdo vento, aos ecos tantas vezes

Cotou a larga história de seus males.

Nos olhos Caitutú não sofre o pranto,

E rompe em profundíssimos suspiros,

Lendo na testa da fronteira gruta

De sua mão já trêmula gravado

O alheio crime, e a voluntária morte.

E por todas as partes repetido

O suspirado nome de Cacambo.

Inda conserva o pálido semblante

Um não sei quê de magoado, e triste,

Que os corações mais duros enternece.

Tanto era bela no seu rosto a morte!

GAMA, Basílio da. O Uraguai. Rio de Janeiro: Agir, 1976, p.81-84.

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